Venezuela
Os choques e mudanças no panorama político e social da Venezuela durante as últimas décadas são difíceis de entender sem se considerar o surgimento e desenvolvimento singular de inovações democráticas no país. O país ofereceu um terreno fértil para mecanismos participativos e o experimentalismo com as instituições comunitárias, e há avaliações extremamente polarizadas sobre a sua eficácia e impacto.
As origens do auge da participação na Venezuela não estão, no entanto, somente no movimento político e nas ideias de Chávez, mas também em novos discursos e práticas sociais e políticas que têm agitado a sociedade civil venezuelana desde os anos 70 e 80, compartilhados tanto pelos novos partidos de esquerda quanto pela social-democracia e os movimentos de direitos humanos. A Venezuela iniciou um processo de descentralização no final dos anos 1980 como parte de um importante período de reforma institucional destinado a restabelecer a legitimidade de um sistema político que se via desacreditado, dando vida a iniciativas ativas fora do escopo do Estado.
Na década de 1990, essas práticas se estenderam aos direitos civis e humanos, à criação de organizações da sociedade civil e à delegação estatal de programas sociais a organizações comunitárias, o que foi fundamental para a reforma constitucional de 1999 e para criação de uma democracia participativa que esta reforma estabeleceu.
Como resultado desse processo, a revolucionária Constituição da Venezuela de 1999 definiu o direito de participação direta em assuntos públicos e apresentou a base de uma arquitetura institucional que permitia a participação cidadã em todos os níveis. O preâmbulo declara que seu objetivo é refundar a República da Venezuela sob a base de uma sociedade "democrática, participativa e protagonista" através de instituições descentralizadas, revogáveis e alternativas, estabelecendo os pilares de um sistema político sem competência declarada entre os princípios da democracia representativa e participativa. Um grande número de mecanismos de democracia direta e instituições deliberativas e representativas foram intercalados com medidas mais vanguardistas, tais como a inclusão de representantes de grupos indígenas em órgãos deliberativos governamentais, a promoção da cogestão no planejamento ambiental e territorial, e o papel central concedido à sociedade civil na descentralização do Estado e na gestão dos serviços públicos municipais.
Sua característica mais notável quanto à organização do Estado é a institucionalização de dois poderes adicionais para além da clássica divisão tripartite republicana. O Poder Cidadão e do Poder Eleitoral, como dois poderes independentes do Poder Judiciário, Legislativo e Executivo, são compostos por representantes sociais indicados através de conselhos cidadãos (o Conselho Nacional Eleitoral e o Conselho Moral Republicano).
No entanto, a incorporação e a regulamentação dessas inovações na legislação e nas estruturas administrativas tem seguido um caminho complexo, evidenciando uma abordagem de tentativa e erro do projeto político de Chávez. De 1999 a 2005, novos atos jurídicos tentam formalizar as inovações democráticas, principalmente os instrumentos de cogovernança para a consulta e a tomada de decisão no planeamento regional e local. Com um caráter mais deliberativo, mas com a possibilidade de tomar decisões vinculativas, a consulta é necessária para desenvolver políticas com grupos comunitários. O fracasso desses novos desenhos institucionais é, porém, claramente reconhecido pela literatura.
A expansão política destas instituições só ocorreu durante o segundo governo de Chávez, de 2006 a 2009. A Lei Orgânica de Conselhos Comunais (2006) formalizou microespaços nacionais para a participação e gestão de projetos públicos. A ideia por trás desses experimentos era de integrar as organizações comunitárias, grupos sociais e cidadãos no sistema de tomada de decisão no qual as Assembleias de Cidadãos incorporam a mais alta expressão da soberania.
A partir de 2006, no entanto, o conceito de socialismo do século XXI, os valores e instituições bolivarianas e a figura do poder popular também trazem, como consequência, uma polarização muito mais forte. Depois de 2009, o governo acelera a legislação para formalizar um Estado Comunal, à procura de uma nova organização sócio-política em que a participação e o socialismo são entendidos como o início de um novo modelo de sociedade. No total, pelo menos 11 leis que introduziam novas definições de participação foram aprovadas entre 2009 e 2015.
A participação está consolidada, portanto, na criação de uma série de espaços que de alguma maneira pertencem à estrutura do Estado, mas que são compostos principalmente por representantes cidadãos, eleitos em nível local, e com um forte caráter comunitário.
Os casos mais importantes neste sentido são os conselhos comunais, as comunas, os mercalitos comunais e os Comitês de Terra Urbana, destinados principalmente a passar a gestão local, o planejamento público e a gestão social dos serviços públicos às mãos das comunidades. Estes casos não somente foram amplamente avaliados e discutidos pela literatura acadêmica, como também são os casos mais importantes devido à sua extraordinária expansão e reprodução em todo o país. Dado que são espaços extremamente politizados e controversos, eles provavelmente também são os casos mais emblemáticos da era Chávez.
Os conselhos comunitários, em particular, têm sido objeto de um amplo debate, com opiniões muito divididas sobre se eles representam uma nova visão radical de descentralização e participação, ou se simplesmente refletem outra maneira de centralizar o poder nas mãos do presidente Hugo Chávez e, mais tarde, de Nicolás Maduro. O fato de que praticamente todas as inovações democráticas são administradas pelo governo e que as organizações da sociedade civil estão presentes na maior parte das estruturas do Estado também resultou em um debate político e acadêmico sobre a Venezuela com termos e contrastes entre a democracia representativa e a democracia participativa, entre o socialismo e autoritarismo.
As experiências de democracia direta, através de referendos e consultas públicas, também têm sido abundantes. Mais recentemente, algumas iniciativas foram criadas para usar ferramentas digitais para monitorar e denunciar a corrupção, e para aproximar os cidadãos da atuação do Estado e dos órgãos legislativos. Há uma série de inovações que visam à democratização do Poder Judiciário e a conceder mais independência a ele através da incorporação de cidadãos no processo de seleção de candidatos (Comitê de Avaliação Postulações do Poder Cidadão).
Os resultados dos experimentos institucionais foram fortemente influenciados pela polarização política, questionando-se até mesmo o caráter democrático do governo venezuelano. Encontrar uma análise objetiva e independente sobre as inovações democráticas na Venezuela é, portanto, um desafio permanente.
Meios
Este gráfico indica a porcentagem de cada um dos meios de inovação adotados pelo total de casos do país. Cada caso possui um ou dois meios de inovação (primário e secundário, respectivamente). Este gráfico reflete ambos. Veja nossa página sobre conceitos para uma descrição dos quatro meios de inovação.
Fins
Este gráfico indica a porcentagem de cada um dos fins das inovações adotados pelo total de casos do país. Cada caso possui um ou mais fins de inovação (até cinco). Este gráfico reflete todos eles. Veja nossa página sobre conceitos para uma descrição de todos os cinco fins das inovações.